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Do Semiárido para o mundo: entenda o impacto do modelo de cultivo das famílias agricultoras apoiadas pelo Projeto Algodão para a cadeia da moda sustentável


Cerca de trinta colaboradoras e colaboradores da marca francesa de calçados Veja/Vert participaram de imersão com agricultoras e agricultores no Alto Sertão Alagoano e Sergipano para conhecer o modelo sustentável que dá origem aos tênis da marca global

Agricultoras, agricultores, equipe de Diaconia e VERT em casa de sementes, Sítio Furnas, município de Inhapi-AL

“Jamais imaginei que poderia receber uma visita desta magnitude e de outra nacionalidade no meu roçado”, conta o agricultor multiplicador Gerone Matos sobre como foi conhecer cerca de 30 pessoas de diferentes países ligadas à marca francesa de tênis VERT/VEJA.  Gerone que é ligado à Associação de Certificação Orgânica Participativa Flor da Caraibeira no Alto Sertão Alagoano, reside no Sítio Furnas, município de Inhapi-AL, e sente orgulho em cultivar o algodão consorciado com outras culturas como o milho, feijão, gergelim, amendoim, girassol e outras.

Somente no ano anterior, o território foi responsável pela produção de 530 kg de pluma de algodão em transição e mais de 18 toneladas de alimentos. “Me imagino podendo vender todos os produtos da agricultura familiar, ambos produzidos por mim, com preço justo e com o selo orgânico, assim como já vendemos o algodão hoje. Para mim, isso é uma política sustentável”, diz.

Atualmente, o quilo da pluma do algodão em transição para certificação orgânica participativa é comprado pela marca francesa Veja/Vert por R$ R$16,36 (incluindo ICMS), além do incentivo de R$ 3,80/kg para o agricultor e a agricultora, desde que seja anotada as informações principais do manejo do algodão consorciado no caderno de campo, e R$ 2,50 para a associação mediante a cada quilo vendido. Gerone explica que contar com a venda garantida também tem servido como incentivo para continuar experimentando o conjunto de regras e boas práticas do algodão consorciado, também fundamental para garantir a produtividade de sua área.

“O protocolo hoje para mim é o manual do meu roçado. Não consigo mais fazer nada se não tiver em diálogo com ele. As formações, visitas de comissão de ética, visitas cruzadas, além das anotações do caderno de campo e plano de manejo da propriedade têm nos dado um grande aprendizado. Na condição de agricultor multiplicador do projeto hoje posso dizer que sou como um técnico. Acredito que nenhum agricultor e agricultora multiplicador/a deve deixar de praticar o protocolo em seu roçado”, afirma.

Equipe da Veja/Vert  no roçado do agricultor multiplicador Gerone Matos, Sítio Furnas, Inhapi-AL

Por que o protocolo do algodão é importante?  – O protocolo de regras e boas práticas do algodão consorciado com certificação orgânica participativa foi construído ao longo de 4 anos de trajetória do Projeto Algodão junto às agricultoras e agricultores e está disponível em vídeo no canal do Youtube do Projeto Algodão: https://youtu.be/QA3dQEFOEIU. A produção reúne orientações que vão desde o momento da preparação do solo até às medidas sanitárias necessárias após a colheita. Segundo explica a assessora técnica do Instituto Palmas, Ana Accioly, o intercâmbio com integrantes da equipe da Veja/Vert serviu para reforçar a eficiência das instruções para o modelo de cultivo sustentável.

“Foi possível vivenciar como é a produção do consórcio e como o algodão está inserido com outros produtos da região, além da importância dessa diversidade e a aplicação correta do protocolo de produção do algodão com certificação orgânica participativa. Na verdade, o protocolo passou por um longo processo de conhecimento científico junto com o conhecimento ancestral/popular e foi testado durante esses 4 anos do projeto”, afirma.

Tanto as famílias agricultoras que são apoiadas pelo Projeto Algodão no Alto Sertão Alagoano como também as que são ligadas à Associação de Certificação Orgânica Participativa de Agricultores e Agricultoras do Alto Sertão Sergipano (ACOPASE), participaram do intercâmbio. Ambos os Organismos Participativos de Avaliação da Conformidade (OPACs) buscam credenciamento junto ao Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA) para obtenção do selo orgânico brasileiro. Nesse sentido, seguir o protocolo tem sido fundamental para fortalecimento da credibilidade e controle da qualidade orgânica em unidades familiares produtivas.

“Através do protocolo, documento elaborado a partir das nossas vivências no roçado, é possível realizar esse controle, que na agroecologia uma cultura ajuda a outra com a adubação, manejo de pragas. Acreditamos que a partir do cumprimento do protocolo obteremos uma boa colheita. O Projeto Algodão foi a oportunidade de aprender que é possível cultivar sem agredir o meio ambiente e com a igualdade de gênero. Me sinto valorizada como mulher, conhecendo meu potencial e a valorização de cada pessoa envolvida no projeto”, afirma Rosana Pereira, agricultora e presidente da Flor de Caraibeira.

Rosana Pereira, agricultora e presidente da Flor de Caraibeira

Tecnologias poupadoras de mão de obra e o impacto do Alto Sertão Sergipano – Uma das perspectivas do Projeto Algodão é o incentivo à autonomia dos OPACs em todos os processos que abarcam seu funcionamento. Uma delas é a condução das tecnologias poupadoras de mão de obra, que no Alto Sertão Sergipano, agricultoras e agricultores contam com o apoio da equipe da Universidade Federal de Sergipe – Campus Sertão/ Nossa Senhora da Glória – SE. Segundo o professor Maycon Reis, responsável por liderar a equipe da UFS nas atividades do território, colaborar com as dinâmicas que envolvem o correto manuseio dos equipamentos para preparação do solo e outros de processamento de alimentos oriundos dos consórcios com o algodão é transformador.

“A apresentação das tecnologias poupadoras de mão de obra foi feita por agricultores e agricultoras, que estão sempre à frente desse processo. Um momento muito valioso e que causou um impacto em poder apresentar na base como é importante o trabalho das organizações sociais. Além disso, mostrar a forma em que tudo é produzido, sem exploração da mão de obra, acredito que tenha causado muito impacto. É uma alegria, reconhecimento e prazer poder colaborar com essa transformação no território”, explica.

Apresentação das tecnologias poupadoras de mão de obra na comunidade Lagoa da Volta – Porto da Folha – SE, Alto Sertão Sergipano

Tal sentimento também é compartilhado pela assessora técnica do Centro Dom José Brandão de Castro (CDJBC) Bayne Ribeiro. “Foi possível mostrar o trabalho da base de produção e beneficiamento com o algodão e com os outros produtos do roçado na dinâmica do SPG, garantindo a conformidade orgânica. Essa é uma caminhada de muitas etapas e construções. Nesse encontro, constatamos que todos e todas cantam a mesma música, constroem a mesma história, qualidade de vida, produção orgânica, acesso a mercado e comércio justo”, afirmou.

Apresentação das tecnologias poupadoras de mão de obra na comunidade Lagoa da Volta – Porto da Folha – SE, Alto Sertão Sergipano

Do roçado agroecológico à moda sustentável – Com profissionais de distintas áreas, entre comercial, comunicação, logística e desenvolvimento, a visita das colaboradoras e colaboradores de diferentes países ligadas/os à marca francesa também configurou um momento importante para conhecimento de campo e diálogos sobre as práticas do cultivo do algodão consorciado.

Segundo a chefe de suprimentos da Veja/Vert Luciana Pereira, responsável pela gestão e desenvolvimento de cadeia produtiva ética e inclusiva, focada na produção do algodão orgânico, a imersão nos territórios se relaciona com a missão da marca em desenvolver um produto com impacto positivo na cadeia de produção. Além disso, Luciana explica que durante a visita ficaram claros aspectos como a colaboração, resiliência, partilha, força e a união que envolve as famílias agricultoras. 

 “Acreditamos que todos/as os colaboradores/as precisam conhecer nossos parceiros/as, criar laços e entender os desafios do campo para juntos unirmos forças e pensarmos em oportunidades, fortalecendo nossa missão. O Projeto Algodão é muito potente pois, ao mesmo tempo que resgata e fortalece o cultivo do algodão agroecológico, ele oferece alternativas no campo, fomentando inclusão, trabalho, renda e organização social. Aliás, o trabalho com parcerias locais, o fomento à independência e autonomia das famílias via OPACs é incrível, com um impacto socioambiental gigante”, explicou.

Agricultoras, agricultores, equipe de Diaconia, equipe da UFS e Veja/Vert durante intercâmbio

 

O impacto socioambiental do Projeto Algodão também foi sentido por Diego Oliveira, responsável pelo desenvolvimento dos calçados da VERT/VEJA. Ele recebe da França, em Paris, os encaminhamentos da equipe de estilo e criação com ideias de materiais, modelos e cores para dar prosseguimento à elaboração dos tênis aqui no Brasil. Ao participar do intercâmbio com as famílias agricultoras, ressaltou que o valor relacionado à elaboração dos tênis não está apenas na entrega do bom produto, mas também em como o processo que pode favorecer o fortalecimento da juventude, o empoderamento feminino e melhores condições para as famílias agricultoras.

“O trabalho com essas famílias mostra que podemos fazer moda de verdade com um produto de origem que favorece novas pessoas e o meio ambiente como um todo. Esse trabalho de valorização das famílias agricultoras, que transforma o produto agrícola em moda é colocado nas melhores lojas do mundo, em diversas cidades que são ícones da moda como Paris (França) e Nova York (Estados Unidos). Isso mostra que dá para fazer moda com um produto de impacto socioambiental”, explicou.

Apresentação da máquina descaroçadeira de algodão no Assentamento Zé Emídio – Nossa Senhora da Glória – SE, Alto Sertão Sergipano

Segundo Fábio Santiago, coordenador do Projeto Algodão/Diaconia, o cultivo do algodão com certificação orgânica participativa representa uma força motriz que carrega um compromisso social e ambiental para sociedade. “O que estamos fazendo é uma ação regional no semiárido do Nordeste do Brasil em prol do fortalecimento de sistemas participativos de garantia (SPGs) dos OPACs para uma economia regenerativa com coletivos que oportunizem a agricultura familiar à geração de renda e equilíbrio de forças na sociedade, além de uma agricultura de baixo carbono e oportunidades no campo. É a partir dessa história que queremos avançar para os demais produtos dos consórcios na geração de renda, com um tecido social forte e na contribuição para mitigação e adaptação de mudanças climáticas”, explica.

Projeto Algodão em Consórcios Agroecológicos – É uma iniciativa coordenada por Diaconia, em parceria estratégica com a Universidade Federal de Sergipe (UFS, Campus Sertão – Nossa Senhora da Glória/SE). O Projeto conta com o apoio financeiro da Laudes Foundation, da Inter-American Foundation (IAF) e do FIDA/AKSAAM/UFV/IPPDS/FUNARBE. O Projeto ainda é parceiro do SENAI Têxtil e Confecção da Paraíba, e com o Projeto + Algodão – FAO/MRE-ABC/Governo do Paraguai/IBA. Para a execução do Projeto nos territórios, a Diaconia estabeleceu parcerias com ONGs locais com experiência em Agroecologia que são responsáveis pelo assessoramento técnico para fortalecer os Organismos Participativos de Avaliação da Conformidade Orgânico (OPACs) e a produção agroecológica. No Sertão do Piauí, a Cáritas Diocesana de São Raimundo Nonato desenvolve as atividades na Serra da Capivara. No Sertão do Cariri, na Paraíba, o trabalho está sendo realizado pela Arribaçã, tendo ainda a parceria com o CEOP – Território do Curimataú/Seridó da Paraíba. No Sertão do Araripe, em Pernambuco, as ONGS CAATINGA e CHAPADA assumiram conjuntamente as ações do Projeto. As atividades no Alto Sertão de Alagoas e no Alto Sertão de Sergipe estão a cargo do Instituto Palmas e do Centro Dom José Brandão de Castro (CDJBC), respectivamente. No Sertão do Pajeú (PE) e no Oeste Potiguar (RN), territórios onde a Diaconia já mantém escritórios e atividades, ela mesma se encarrega da implementação das ações locais do Projeto e parceria com CPT – RN.